Acordos de leniência são injustos com as empresas de engenharia honestas

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Dr. Ricardo Franci Gonçalves

 

É notável a quantidade de acordos de leniência já confirmados ou sob negociação nos dias de hoje no Brasil. A aplicação desse dispositivo jurídico por aqui se inspira no direito dos EUA e tem como objetivo coibir a prática de infração à ordem econômica. Todas as definições e critérios para tanto constam da Lei Anticorrupção (lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013) e do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011). A premissa é simples: através do acordo de leniência as empresas devem reparar todos os danos causados em decorrência de seus atos. Além disso, devem apresentar provas e informações relevantes às investigações de outros infratores e implementar programas de “compliance” para prevenir novos ilícitos. Como benefício do acordo, as empresas podem ter a redução em até 2/3 ou até mesmo a isenção total do valor total da multa. Podem ainda voltar a receber incentivos, subsídios e empréstimos do Governo Federal, a estabelecer contratos com a administração pública e não publicar a punição. É claro que a recuperação de recursos importantes para a economia do país é motivo considerável para a aplicação dos acordos de leniência no Brasil. Os números são impressionantes, de acordo com a publicação de Claudio Tognolli no site Yahoo Notícias em 19 de maio de 2017: Dados oficiais: pelo menos sete empreiteiras já fecharam acordo de leniência com o Ministério Público Federal (MPF) face a operação Lava-Jato. Ao todo, elas devem ressarcir os cofres públicos em R$ 8,7 bilhões. A colaboração com as autoridades, no entanto, não foi suficiente para fazer deslanchar seis grandes obras paralisadas, que já custaram R$ 50 bilhões aos governos Odebrecht e Braskem vão pagar R$ 6,9 bilhões no acordo ao MPF. A Andrade Gutierrez pagará pelo menos R$ 1 bilhão. A Camargo Corrêa repassará R$ 700 milhões ao MPF e R$ 104 milhões ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A britânica Rolls Royce, mais R$ 81 milhões. Carioca Engenharia e o Grupo Setal, com R$ 10 milhões e R$ 15 milhões, respectivamente, completam a lista. Mas, em que pese a justificativa econômica para o governo, não tenho dúvidas de que esse novo ordenamento jurídico não levou em conta o fortalecimento do enorme rol de empresas pequenas e médias honestas do país. Tal como as ações estão sendo encaminhadas na escala federal, estamos desperdiçando a oportunidade de passar a engenharia brasileira a limpo!

É fato que a corrupção exerce um papel determinante no sucesso de empresas de engenharia que atuam no setor público. Toda a informação que recebemos diariamente através da imprensa a respeito das grandes empresas envolvidas na Lava-Jato expõe apenas a ponta de um imenso iceberg. O relacionamento da Odebrecht com o Governo do PT a nível federal é um tímido fractal do que ocorre de maneira difusa em todas as esferas do poder público no país. Clubes de empreiteiras existem em todo o Brasil há décadas, com a complacência do poder público que ora aplica generosamente os acordos de leniência. Muitas das empresas que dominam o mercado da engenharia no Brasil cresceram nesse ambiente de negócio ao longo de vários anos. Negociaram, subornaram, fraldaram editais, compraram políticos e ... venceram suas concorrentes honestas. Hoje, altamente capitalizadas, concorrem com vantagens inequívocas com as empresas honestas em qualquer oportunidade tanto no setor público quanto no privado. Capilaridade em todo o país, maior capital social, mais equipamentos novos e sofisticados, corpo técnico com melhor formação e mais bem remunerado são algumas das vantagens competitivas que as mantém onde estão. Nesse contexto, qual a perspectiva para as empresas brasileiras honestas que ainda sobrevivem? Conseguirão doravante (pós Lava-Jato) competir com as grandes “perdoadas” e liberadas para continuar atuando como se nada tivessem feito de errado? Claro que não ... Os acordos de leniência são injustos com as empresas honestas sobreviventes, hoje sem força para competir a altura com as empresas corruptas. Estas últimas seguirão sua sanha de corromper para lucrar, porque, muito além do que expõem como visão em seus websites, está a cultura de que os fins justificam os meios. E as pequenas e médias empresas? A elas restará permanecer no papel de coadjuvante das grandes, como “gatinhas” subcontratadas que tentam sobreviver em um ambiente concorrencial injusto e perverso. A quem esse arranjo interessa? Tenho ouvido e lido comentários de vários “especialistas” defendendo os acordos de leniência na imprensa, alegando que eles preservam empregos e mantém a atividade econômica. São pessoas que não possuem empresas, não oferecem empregos e que não vivem os riscos cotidianos de um pequeno empreendedor nesse país doente. O extermínio puro e simples destas grandes organizações criminosas do setor privado brasileiro é o único caminho para se implantar uma atividade econômica competente, justa e democrática.

Tantos delatores soltos, vivendo em mansões luxuosas a beira do mar a guisa de prisão residencial. Empresas de engenharia liberadas de maneira impressionante pela justiça, apesar de tudo o que se comprovou até o momento na Lava-Jato e em outras operações. A impunidade corrói nossa democracia, porque desincentiva nosso povo a seguir pelo caminho da honestidade, mais árduo porém mais recompensador para todos ....

 

 

 

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